quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Do ódio e a revolta...


Existe algo de podre se alastrando e emergindo sob a pele do Brasileiro... um desejo de violência primitivo que se insufla a cada vez que algo sai da norma, manifestando-se em não-tão-estranhas explosões de intolerância. Os alvos da vez (e de sempre)? Os jovens que fazem "rolezinhos", as minorias, as feministas, e os não tão jovens que se manifestam a respeito dos abusivos preços do transporte coletivo. Todos, na visão da massa acomodada - e em especial da alienada classe média - são alvos justos para ameaças, insultos, balas de borracha, cassetetes e tudo mais.

É de se questionar a origem de um ódio tão... biliar; temos como mencionado antes o medo "deles" para explicar o ódio aos rolezeiros, mas quanto aos manifestantes? Tenho visto cada vez mais páginas e comentaristas da direita incluindo "querer um mundo melhor", "inclusão social" e "igualdade de direitos" como "crimes da esquerda". Para uma demonstração prática desse ódio intenso à esquerda, basta olhar aqui: http://www.thrive.com.br/tag/esquerdismo/ ou em qualquer outro outlet que use de termos como "esquerdismo", "marxismo cultural", "esquerdopatia" - todos jargões de publicações e autores radicais da direita brasileira. Não atoa, o site que linkei considera a Veja "a revista mais importante do país" e desmerece todas as outras publicações jornalísticas como "material comunista". 

Dois dos gurus brasileiros do ódio. 
Mas não acho que o ódio generalizado vá a esse ponto - gira mais é em torno de uma acomodação sistemática da classe média, que vê como ataque qualquer coisa que a faça gastar uma única caloria a mais. E quanto as feministas, nada mais simples: para quem sempre viu mulheres como subalternas ou como objetos de gratificação sexual, nada mais inaceitável que as tratar como gente - ou "pior", deixar que elas falem dos SEUS assuntos, ainda mais quando vêem estupro como "brincadeira" ou "direito do namorado/marido".

Porém essa acomodação é um prato cheio para a direita acima citada - aquela direitona Randiana que vê egoísmo como virtude, nazismo como esquerda e "em nome da igualdade"; que vê manifestantes e funkeiros como "incapazes de pensamento civilizado" enquanto bebem seu vinho importado e comem caviar em suas torres de marfim (ou assim gostariam de estar); Que acha o Apartheid justo e correto (porque imagina, deixar esse bando de preto estragar tudo?) e se choca com a violência do negro marginalizado contra o branco, mas vira o olho pro reverso; na covardia e acomodação de quem se ofende com qualquer tentativa de mudar as coisas, o ódio tem uma fundação forte.

Esse comentário ao lado foi feito a respeito do protesto do MPL desta quarta-feira - gostaria de poder entender o grau de ódio demonstrado por este cidadão. E me dói saber que é apenas uma pequena parte do que está por aí. Escolhi este em particular por um detalhe... chocante. O que é para este indivíduo "pensar verde"? Seria uma tentativa dissimulada de chamar os manifestantes de "maconheiros" (como se houvesse algo errado em fumar maconha)? Ou seria um indicador da direita raivosa que vê na causa ambiental um crime contra a humanidade

Tenho que lembrar que quando os protestos estavam em alta, ano passado, a direita os condenou até o ponto em que tentou se apoderar da mobilização? Não é novidade esse ódio. É uma coisa velha e gasta, como a nossa elite, ainda presa em um conflito acabado, numa mentalidade dos anos 50 - basta ver quantos ainda falam em "golpe comunista", apesar do fim da união soviética, e de 12 anos de um governo "esquerdista" com políticas neoliberais e fortes alianças com partidos conservadores. Mas quando o protesto se torna da elite - com suas pautas mal definidas, como "fora a corrupção" (que corrupção? Aquela que beneficia a tua empreiteira? Que lhe dá milhões de desconto nos impostos? Aquela que tu fez quando molhou a mão do guarda na Blitz?) - ele se torna a coisa mais correta do mundo; O protesto do MPL é causa para bala de borracha neles, o jornalista que apanha "tem que se ferrar mesmo, tava do lado errado", o preso tem que ser torturado se não é tapinha na mão. Mas quando os riquinhos se juntam para reclamar que não vai do jeito que querem, é a cidadania em ação. 

Como eu disse ontem, é muito comum ouvir que não há racismo no Brasil, mas seria possível alguém argumentar que o comentário ao lado não é racista? Embora não seja aquele ódio "raivoso", espumando pela boca, o comentário ao lado sobre o direito de negros de não serem tratados como suspeitos automaticamente demonstra um ódio ainda mais basal - e que muita gente defende. A clássica inversão de culpa, tão comum quando se trata de vítimas de estupro, é um recurso querido dos nossos "amarosos" racistas. Desse recurso é que emergiu uma expressão racista tão comum:  "o negro de alma branca". 

Olhando para os comentários nestes casos - "Turista Dinamarquesa é vitima de estupro coletivo na Índia", "Programa policial exibe vídeo com estupro de criança de 9 anos" e "Escolas proíbem livro de Malala Youszafai" é fácil perceber os comentários raivosos e agressivos contra mulheres e contra os países envolvidos; Quando mulheres trans protestaram para poder usar o banheiro como mulheres, os comentários davam um sampling da transfobia brasileira, junto com o vitimismo de quem finalmente deixa de ser o centro das atenções.

Porém nada mais tranquilo para expor o ódio relacionado a sexualidade do que a inclusão da mulher ou do lgbt em espaço que antes eram exclusivos de homens - e isso não é do brasileiro. E para isso eu vou puxar novamente um caso que já cansei de falar - o absurdo a qual continua a ser exposta a blogueira Anita Sarkeesian - mas também vou focar em outra questão: Mairghread Scott. A primeira roteirista de quadrinhos de Transformers desde o início da franquia há 30 anos. E que está sendo atacada por alguns "fãs" por incluir uma personagem feminina nos quadrinhos (por mandato editorial) quando outro autor (Simon Furman) "determinou" que Transformers "não tem gênero" (embora pareçam, ajam como e se identifiquem como homens). Mais sobre isso aqui.  Ou vejam os comentários a respeito do sistema de classificação feminista de filmes da Suécia, e como "discutir questões de gênero" e "indicar falhas" é interpretado como "PROIBIR"

Para fechar o negativismo, o comentário ao lado foi apenas um dentre as muitas demonstrações de elitismo no texto do G1. Ameaçados por um sistema de cotas que pouco entendem e que sequer se aplica ao caso, não foram poucos que insultaram o jovem, desmereceram seu sucesso com "com cotas até eu" (e gostaria de entender de onde veio a ideia de que cota=aprovação automática), ameaçaram no e etc. Mas só este individuo teve a ombridade de admitir o que lhe incomodava: dividir o "seu" espaço com um negro pobre. 
"Os chamados "rolezinhos" parecem ter conseguido trazer uma pitada de desarranjo para a sórdida organização espacial desta cidade, e o fizeram de modo tão inesperado que os defensores dessa ordem se viram sem argumentos de qualquer tipo. Sobrou só o preconceito: puro, nu, indisfarçável, escancarado." - Julio Barrozo, USP. 
Uma coisa a ser dita sobre os discursos de ódio que vêm abundado: gente demais parece achar que "ser sua opinião" faz com que deixe de ser odioso; que dizer que negros são "criminosos" - mas isso é minha opinião! - não é racista, pois tenho direito a opinião; que a liberdade de expressão permite que digam o que quiserem sem crítica ou repercussão, e que qualquer discordância é censura. Eu já discuti isso aqui. E friso novamente: um discurso racista não deixa de ser racista por ser "a sua opinião". Se qualquer coisa, é um sinal de que você é um racista. Ano passado surgiu uma nova defesa pronta, de que é "apenas uma piada" e "quem se ofendeu não tem senso de humor", mais uma vez invertendo a responsabilidade. Tal defesa tem sido usada pelo vitimista humorista Danilo Gentili - que se acha a vítima por ser processado pela mulher que humilhou em rede nacional - e por um certo blog que não citarei, que prega "estupro corretivo de lésbicas" - mas calma, é só uma piada gente. 

Para fechar tudo isso, um comentário positivo, de uma boa amiga que não conheço pessoalmente:

"Se algumas pessoas pudessem entender como certas pequenas coisas, pequenos detalhes e atitudes, tem o poder de transformar (pra melhor) a vida de seu próximo de uma forma tão profunda, não seriam motivos de empecilho, mas pelo contrario, seriam parte desse agente transformador..." - Samie Carvalho

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