sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

No Egito, atentados e morte às vésperas da Primavera Árabe.

Véspera do aniversário dos protestos que deram início a primavera Árabe, esta manhã foi marcada pela violência na capital egípcia. Ao menos três explosões cruzaram a cidade, deixando, até o momento, cinco mortos e cerca de 100 feridos. Os atentados são mais uma marca de violência na república Islâmica, marcada por conflitos políticos e religiosos desde 2011. Protestos e manifestações marcados por conflitos com as forças armadas levaram, então, a queda do ditador Hosni Mubarak. 

Agora, o conflito é entre forças islâmicas e o governo interino, colocado pelos militares após o golpe de estado que derrubou o presidente eleito Mohammed Morsi - alinhado com a Irmandade Muçulmana - e colocou a segurança pública em mãos militares, em julho do ano passado. O primeiro dos atentados atingiu a sede da polícia, no centro do Cairo por volta das 6h30, matando 4 e ferindo 76. Algumas horas depois, outras duas explosões atingiram delegacias, deixando mais um morto e quinze feridos. A explosão do primeiro atentado também danificou i museu da arte Islâmica, um prédio do século XIX. 

Um grupo inspirado pela Al Qaeda, o Ansar Beit al-Maqdis assumiu autoria dos ataques - o mesmo que em dezembro atacou um prédio da segurança pública em Mansour em dezembro, deixando 16 mortos e 100 feridos; apesar disso, o governo militar culpou a Irmandade Muçulmana, e novamente classificou o grupo Islâmico como sendo terrorista - antes, eles já haviam sido proibídos de se manifestar e de participar das novas eleições, que ocorrerão esse ano. De sua parte, a Irmandade condenou o "ataque covarde" do Ansar Beit al-Maqdis, e negou qualquer envolvimento.  

A retórica do governo militar não aponta para um futuro positivo para o Egito, mas parece ter sido bem sucedida em gerar um "outro" contra o qual unir a população. Apesar da condenação pública contra o ataque, a Irmandade Muçulmana foi hostilizada, e manifestantes contra a entidade se reuniram no local dos ataques. Entre as palavras de ordem, estavam gritos de "assassinos" e "morte a irmandade muçulmana". Um "debate" composto por espantalhos e simplificações das posições alheias, que não tem como ser construtivo - não quando os lados visam apenas destruir um ao outro. 

A tendência é que o "debate" - se é que assim pode ser chamado - se torne cada vez mais radicalizado. Como demonstrado por outras nações islâmicas, em especial o Irã, a sensação de "não representatividade" acaba levando a rejeição do Estado, visto como ilegítimo: enquanto o Egito segue em emulação do ocidente (como definido por Ibrahim Afsah, da universidade de Conpenhagem), grupos islâmicos já radicalizados se sentem cada vez menos representados - e com isso tendem a rejeitar a modernidade em nome da tradição e do fundamentalismo.

Combine isso com o fator duplo de um governo hostil ao tradicionalismo e o discurso inflamado de líderes fanáticos ligados a grupos radicais, e se tem um ciclo vicioso de violência: a cada novo atentado, se tem uma desculpa para pressionar mais os tradicionalistas; a cada nova tentativa de repressão, o radicalismo se acirra e se tem uma justificativa para atacar "os opressores" e "corruptores". Um ciclo que tende apenas a se agravar até o ponto que um dos lados consiga esmagar o outro - e vendo pelo histórico dessa ressurgência fundamentalista, o provável é que, ao invés de um governo islâmico moderado como o do derrubado Mohammed Morsi, se tenha uma república fundamentalista tal qual Irã - ou pior, um "estado" tal qual o Afeganistão, embora vendo o histórico institucional do Egito seja improvável um desmantelamento a tal ponto. 
para relembrar a queda de Morsi.

Por ora, resta ao mundo observar, e manter em mente a violência causada, mais uma vez, por um fanatismo e uma retórica de ódio dos dois lados, sustentada em um governo ilegítimo e mantido por interesses estrangeiros. É fácil reduzir a questão do terrorismo islâmico a "eles nos odeiam por que nos odeiam", como infamemente disse Joe Scarborough - mas fazê-lo não poderia estar mais errado. A questão deveria ser "o que tem sido feito para levar a esse fanatismo" - e "o que podemos fazer para desestimulá-lo", ao invés de "como calar essas pessoas que nos odeiam".

Como disse bem Isaac Asimov, através de seu personagem Salvor Hardin... "Violência é o último refúgio do incompetente". Esperemos que o governo militar se torne digno de governar, e demonstre competência ao lidar com a situação - do contrário, teremos um duelo de incompetência dentre militares e islamitas.

Vale lembrar que embora tenha sido eleito democraticamente, o governo de Morsi era marcado por corrupção e abusos de poder - é lamentável que tenha sido retirado por um governo ilegítimo e que nada vez para diminuir os problemas do governo anterior - só mudou os favorecidos; De Mubarak a Morsi ao interino Adlim Mansour, o Egito parece preso em ciclo de abuso de poder, autoritarismo e incompetência. 

Resta esperar para ver o que serão das manifestações e celebrações da primavera árabe amanhã. 

fotos retiradas do site da BBC. Crédito: Mohammad Assad. 

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